sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Lutero: A Justificação pela Fé (sermão inédito de C.H.Spurgeon)

Nº 1749
Pregado na manhã do dia do Senhor, 11 de novembro de 1883,
por C.H. Spurgeon,
no Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.





“Mas o justo viverá pela fé.” - Habacuque 2:4.


Este texto é empregado três vezes pelo apóstolo Paulo como argumento. Leia Romanos 1:17, Gálatas 3:11 e Hebreus 10:30 – em cada um desses casos aparece, “o justo viverá pela fé”. Este é o antigo texto original ao qual o apóstolo se referiu quando disse, “Como está escrito, o justo viverá pela fé.” Nós não estamos errados em fazer da inspiração do Antigo Testamento tão importante quanto à do Novo, pois a verdade do Evangelho deve se manter em pé ou então cair com os profetas da antiga dispensação. A Bíblia é uma e indivisível – não se pode questionar o Antigo Testamento e reter o Novo. Ou Habacuque estava inspirado ou Paulo escrevia coisas sem sentido.

Ontem, há 400 anos, em 10 de Novembro de 1483, veio a este mundo fraco o filho de um mineiro refinador de metais, que não fez poucas coisas para eliminar o Papado e refinar a Igreja. O nome deste bebê era Martinho Lutero – um herói e um santo. Bendito foi este dia acima de todos os dias deste século, que honra, pois concedeu uma bênção sobre todos os séculos subsequentes por meio do "monge que abalou o mundo”. O seu espírito corajoso derrubou a tirania do erro que havia por tanto tempo envolvido as nações em sua escravidão. Toda a história da humanidade, desde então, tem sido mais ou menos afetada pelo nascimento deste maravilhoso garoto! Ele não era um homem absolutamente perfeito – nós também não endossamos tudo o que ele disse nem admiramos tudo o que fez – mas ele era um homem sobre o qual o olhar da maioria dos homens deveria repousar.

Ele foi um poderoso juiz em Israel, um servo real do Senhor. Nós devemos mais frequentemente orar a Deus pedindo por homens como este – homens de Deus, homens de poder. Deveríamos orar para que, de acordo com a infinita bondade do Senhor, Seus infinitos dons continuem e se multipliquem para a perfeição da sua igreja, pois quando Cristo ascendeu aos céus, ele levou cativo o cativeiro e entregou dons aos homens. E “alguns ele fez apóstolos; e outros profetas; e outros evangelistas; e outros pastores e mestres” (Efésios 4:11). Ele continua a outorgar estes dons escolhidos de acordo com as necessidades da Igreja e Ele os dispensaria mais plenamente, talvez, se nossas orações mais intensamente subissem ao Senhor da messe que enviaria trabalhadores à sua messe. Mesmo quando acreditamos no Salvador crucificado como nosso salvador pessoal, nós devemos acreditar que o Senhor ascendeu para o perpétuo com os confessores e evangelistas que declararão a verdade de Deus.

Eu gostaria de fazer uma pequena homenagem a Lutero em seu aniversário e eu penso que eu não poderia fazer melhor coisa que usar a chave da verdade de Deus pela qual Lutero destravou as masmorras da mente humana e transformou corações escravos em livres. Esta chave dourada encontra-se na Verdade brevemente contida no texto diante de nós – “O justo viverá pela fé”. Você não está um tanto surpreso de achar uma passagem tão Evangélica em Habacuque? Por descobrir em um antigo profeta uma afirmação tão explícita que Paulo pôde usar como argumento pronto contra os oponentes da justificação pela fé? Ele mostra que a doutrina cardial do evangelho não é uma nova noção! Claramente não é um novo dogma inventado por Lutero, nem mesmo uma verdade de Deus ensinada em primeira mão por Paulo!

Este fato, Justificação pela Fé, foi estabelecido em todas as eras e, portanto, nós o encontramos aqui, entre as coisas antigas, uma lâmpada para iluminar as trevas que pairavam sobre Israel antes da vinda do Senhor! Isto também prova que não houve mudanças no evangelho. O evangelho de Habacuque é o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Uma luz muito clara foi lançada sobre esta Verdade de Deus pelo dom do Espirito Santo, mas o caminho da salvação tem sido, em todos os tempos, o mesmo! Nenhum homem jamais foi salvo pelas suas boas obras. O modo pelo qual cada justo tem vivido sempre foi pelo caminho da fé. Não houve o menor desvio desta Verdade – foi estabelecido e instituído – sempre o mesmo, como Deus o proferiu.

Em todos os tempos e em todos os lugares, o evangelho é e continuará sendo o mesmo. “Jesus Cristo, o mesmo ontem, hoje e eternamente”. Nós lemos “o evangelho” a partir de um – nunca dois ou três evangelhos – como muitos. Céus e terras passarão, mas a Palavra de Cristo nunca passará. Também é digno de nota que esta verdade de Deus é tão antiga e ainda assim continua tão imutável, e com tanta vitalidade. Esta sentença, “O justo viverá pela fé”, produziu a Reforma! Desta linha, a partir da abertura dos selos do apocalipse virão todos os sons das trombetas do evangelho e todas as canções evangélicas como o som de muitas águas. Esta única semente – esquecida e escondida nas trevas da era medieval – foi trazida de volta, colocada no coração dos homens, cresceu pelo Espírito Santo de Deus, para no final produzir grandes resultados.

Esta porção de semente no topo das montanhas foi multiplicada de tal forma que o fruto moveu o Líbano e suas cidades e floresceu como a erva do campo. Mesmo a menor parte da Verdade de Deus lançada em qualquer lugar viverá! Algumas plantas são tão cheias de vitalidade que apenas o fragmento de uma folha colocado no solo fará com que ela crie raízes e cresça. É completamente impossível que esta vegetação se extinga, e assim acontece com a Verdade de Deus – ela é viva e incorruptível – e, portanto, nada pode destruí-la. Desde que uma Bíblia reste, a religião da Graça Livre viverá! Não, se puderem queimar todas as escrituras, ainda que reste apenas uma criança que se lembre de um único texto da Palavra, a Verdade se levantará novamente!

Mesmo nas cinzas da verdade o fogo ainda está vivo, e quando o sopro do Senhor vem sobre elas, a chama arde gloriosamente. Por isto, sejamos confortados nestes dias de blasfêmias e censura – confortados porque “embora a erva embranqueça e a flor caia: mas a Palavra do Senhor dura para sempre.” E esta é a palavra pela qual o evangelho é pregado a você. Deixe-nos examinar este texto cujo sentido iluminou o coração de Lutero, enquanto o explico a você.

I. Eu devo, a princípio, fazer uma breve observação – UM HOMEM QUE TEM FÉ EM DEUS É JUSTO. “O justo viverá pela fé.” O homem que possui fé em Deus é um homem justo – a sua fé é a sua vida como um homem justo. Ele ser “justo” sentido do Evangelho, isto é, ter a fé que Deus prescreve como caminho da salvação, ele é, por sua fé, justificado na visão de Deus. No Antigo Testamento é dito a nós, em referência a Abraão, que “ele acreditou no Senhor; e o Senhor lhe contou isto por justiça” (Genesis 15:6). Este é o plano universal de justificação. A fé está abraçada à justiça de Deus em aceitar o plano de justificação de pecadores por meio do sacrifício de Cristo – e ela faz do pecador um justo.

A fé aceita e apropria por ela mesma todo o sistema Divino de justiça que se desdobra na pessoa e no ministério de Jesus Cristo. A fé regozija em vê-Lo vindo ao mundo em nossa natureza, e nesta natureza, obedecendo a Lei de Deus em cada jota e til, mesmo que ele não estivesse sob a Lei Ele escolheu colocar-se lá em nosso lugar. A fé se compraz quando vê o Senhor, que veio sob a Lei, oferecendo-se como perfeita expiação e fazendo uma completa vindicação da justiça divina pelo Seu sofrimento e morte. A fé se encontra na pessoa, vida e morte do Senhor Jesus como a sua única esperança – e na justiça de Cristo ela se sustém. Ela grita “O castigo que me traz a paz estava sobre Ele e pelas Suas pisaduras fui curado”.

Agora, os homens que creem no método de Deus de transformar homens em justos através da justiça de Jesus, e aceitam Jesus e põem a sua fé Nele, estes são homens justos! Aquele que faz da vida e morte de Jesus a grande propiciação e nela crê como a sua única fonte de confiança é justificado aos olhos de Deus e tem seu nome escrito entre os justos pelo próprio Senhor. A sua fé é imputada pela justiça porque a sua fé se agarra à justiça de Deus em Cristo Jesus. “Todos os que creem são justificados de todas as coisas, daquilo que não podíeis ser justificados pela lei de Moisés”. Este é o testemunho da Palavra inspirada – quem o negará?

Mas o crente também é justo em outro sentido, cujo mundo exterior aprecia melhor, embora não seja mais valoroso que o sentido formal. O homem crente em Deus torna-se, pela fé, movido para tudo o que é correto, bom e verdadeiro. Sua fé em Deus retifica sua mente e o faz justo. No julgar, no desejar, no aspirar, em seu coração, ele é justo. Seus pecados foram perdoados, na hora da tentação, ele clama: “como, agora, eu fraquejei e cometi este pecado contra Deus?”. Ele acredita no derramamento de sangue que Deus proveu para limpar o pecado e, para ser lavado em seu interior, ele não pode escolher se sujar novamente. O amor de Cristo o constrange a seguir o que é verdadeiro, correto, bom, amável e honroso aos olhos de Deus.

Tendo recebido pela fé, o privilégio da adoção, ele emprenha-se em viver como um filho de Deus. Tendo obtido, pela fé, uma nova vida, ele anda em novidade de vida. “Princípios imortais impedem os filhos de Deus de pecar”. Se muitos vivem em pecado e amam isso, eles não têm a fé dos eleitos de Deus, pois a fé verdadeira purifica a alma. A fé que operou em nós pelo Espírito Santo é a maior exterminadora de pecados debaixo do Céu. Pela graça de Deus ela afeta o íntimo do coração, modifica as vontades e emoções; e torna o homem em uma nova criatura em Cristo Jesus. Se há alguém na terra que pode, verdadeiramente, ser chamado de justo, estes são os que assim são transformados pela fé em Deus através de Jesus Cristo nosso Senhor. Deveras, nenhum outro homem é justo, salvo aqueles a quem o santo Deus deu o título de justos – e para estes o texto diz que o justo viverá pela fé.

A fé crê em Deus e, portanto, O ama. E, portanto, O obedece. E, portanto, cresce como Ele. É a raiz da santidade, a primavera da justiça, a vida do justo!

II. Acerca desta observação, que é vital para o texto, eu não mais me prolongarei, mas avançarei a outro ponto que dialoga com ele, a saber, O HOMEM JUSTO TEM FÉ EM DEUS. Ou então, deixe-me dizer, ele não é justo, pois Deus merece fé e aquele que O rouba, não é justo. Deus é tão justo que duvidar Dele é injustiça – Ele é tão leal que não confiar Nele é ofendê-Lo – e este que faz a Deus tamanha injustiça não é considerado justo. Um homem justo deve ser primeiramente justo com o maior dos seres. Seria inútil para ele ser justo com todas as outras criaturas se intencionalmente ele ofendesse a Deus. Eu digo que ele seria indigno do nome justo. Fé é o que o Senhor, justamente, merece receber das suas criaturas – é devido a isto que acreditamos no que Ele diz – e especialmente em referência ao Evangelho.

Quando o grande amor de Deus em Cristo Jesus é claramente estabelecido, ele será crido pelos de coração puro. Se o imenso amor de Cristo em morrer por nós for completamente entendido, então ele deve ser crido por toda a mente honesta. Duvidar do testemunho de Deus acerca do seu Filho Jesus é cometer a maior injustiça ao Seu infinito amor. Aquele que crê não rejeitou o testemunho de Deus ao dom indizível e o colocou naquele que merece adoração em gratidão dos homens, pois, sozinho, pode satisfazer a Justiça de Deus e dar paz à consciência dos homens. Um homem verdadeiramente justo, para a completude da sua justeza, crê em Deus e em tudo aquilo que Ele revelou.

Alguns sonham que essa questão de justiça apenas concerne à vida exterior e não toca nas crenças do homem. Eu digo, não é assim – a justiça diz respeito ao interior do homem, a parte central de sua humanidade – e o verdadeiro homem justo deseja ser limpo em partes secretas e, nas partes escondidas, eles conheceriam a sabedoria. Não é assim? Nós ouvimos isto continuamente: que nossas compreensões e crenças constituem uma província isenta da jurisdição de Deus. Então, deverás, eu posso acreditar no que eu quiser sem ter responsabilidade por isso diante de Deus? Não, meus irmãos e irmãs! Nenhuma parte de nossa humanidade está fora do alcance da divina lei! Nossa completa capacidade como homens repousa sobre a soberania d’Ele que nos criou e estamos obrigados a tanto acreditar como a agir corretamente!

Na verdade, nossas ações e pensamentos estão tão entrelaçadas e emaranhadas que não há divisão entre um e outro. Dizer que a justiça da vida exterior é suficiente é ir contrariamente ao teor da Palavra de Deus. Eu estou mais voltado a servir a Deus com meu coração e minha mente! Estou tão sujeito a crer naquilo que Deus revela assim como estou sujeito a fazer aquilo em que Deus se regozija! Erros de julgamento são tão verdadeiramente pecados quanto erros da vida. É parte da nossa submissão para o nosso grande e Soberano Senhor que nós submetamos nossa compreensão, nossos pensamentos e nossas crenças ao Seu supremo controle. Nenhum homem é correto até que ele acredite nas coisas corretas. Um homem justo deverá ser justo através de Deus, por crer em Deus e confiando Nele em tudo o que Ele é, diz e faz.

Eu também não vejo, meus caros amigos, que razão há para o homem ser justo com seus semelhantes quando ele desistiu da sua crença em Deus. Se se trata de uma pequena parte e um homem pode entregar-se por um pedaço de desonestidade, por que ele não deveria ser desonesto se não há uma lei maior do que a que seus companheiros fizeram? Se não há trono de justiça, nenhum julgamento a se seguir, porque ele deveria se preocupar? Há poucas semanas atrás um homem matou deliberadamente seu empregado, que o havia ofendido. E como ele se entregou à polícia, ele disse que não estava nem um pouco receoso ou envergonhado daquilo que havia feito. Ele admitiu o assassinato e reconheceu que sabia muito bem das consequências. Ele disse que esperava sofrer a dor por meio minuto e depois então viria o seu fim e estava pronto para aquilo.

Ele falou e agiu em consistência com as suas crenças ou descrenças – e verdadeiramente não há forma de crime, mas o que se torna lógico e legítimo é se existe ou não fé em Deus e a vida após a morte para o homem. Sem isto, rompamos com a comunidade - não há nada que faça com que os humanos permaneçam juntos! Sem Deus, o governo moral do universo cessa e a anarquia é o estado natural das coisas. Se não há Deus e o julgamento no porvir, deixe-nos bebamos, porque amanhã morreremos. Se necessário, deixe-nos roubar, mentir e matar!

Porque não? Se não há lei, julgamento ou punição para o pecado - nada pode ser pecaminoso! Se não há legislador, não há lei! E se não há lei, então não pode haver transgressão! A que tipo de caos chegaríamos se a fé em Deus fosse renunciada! Onde o justo será encontrado se a fé for banida? O homem justo é crente em uma medida ou outra – e ele que é digno de ser chamado de “justo” no sentido bíblico, é um crente no Senhor Jesus Cristo, que  foi feito justiça de Deus por nós!

III. Mas agora vou para o ponto no qual eu pretendo me alongar. Em terceiro lugar, POR ESSA FÉ O JUSTO DEVERÁ VIVER. Isto é, a princípio, uma declaração estreita. Cortam-se muitas maneiras de viver fingindo, dizendo: “O justo viverá pela fé.” Esta sentença dá sinais da porta estreita que está à frente do caminho - o caminho estreito que leva à vida eterna. De um só golpe isso acaba todas as reivindicações de justiça, independentemente de um modo de vida. Os melhores homens do mundo só podem viver pela fé - não há outra forma de ser justo aos olhos de Deus! Nós não podemos viver em justiça própria, em hipocrisia. Se formos confiar em nós mesmos, ou em qualquer coisa que venha de nós mesmos, estamos mortos, enquanto confiamos – nós não temos conhecido a vida de Deus de acordos com os ensinamentos da Sagrada Escritura.

Você deve vir direto para fora da confiança em tudo o que você é ou esperar ser. Você deve arrancar as vestes de lepra da justiça legal e romper com toda e qualquer forma dela. Autossuficiência quanto às coisas da religião resultará em autodestruição! Você deve descansar em Deus como Ele é revelado em Seu Filho Jesus Cristo e Nele somente. O justo viverá pela fé. Aqueles que olham para as obras da lei estão debaixo da maldição e não podem viver diante de Deus. O mesmo também acontece com aqueles que se esforçam para viver de sensações ou sentimento. Eles julgam a Deus por aquilo que veem - se Ele é abundante para eles em providência, Ele é um Deus bom. Se eles são pobres, eles não têm nada de bom para dizer a Ele, porque eles O medem por aquilo que sentem, provam e veem. Se Deus trabalha continuamente para um propósito e eles podem ver o seu propósito, eles elogiam a Sua sabedoria. Mas quando eles ou não pode ver o fim, ou não conseguem entender o caminho pelo qual o Senhor está trabalhando, imediatamente O julgam imprudente. Viver pelos sentimentos acaba por ser um modo de vida sem sentido, trazendo morte a todo conforto e esperança -

"Não julgueis o Senhor pelo sentido fraco,
Mas confiar nele para a Sua Graça.”

Pois apenas nesta confiança um homem justo pode viver.

O texto também destrói toda a ideia de vida por mero intelecto. Muitos dizem: "Eu sou o meu próprio guia! Farei doutrinas para mim e vou transferí-las e moldá-las de acordo com meus próprios recursos”. Essa maneira é a morte para o espírito. Estar de acordo com os costumes das épocas é, por vezes, ser inimigo de Deus! O caminho da vida é acreditar no que Deus tem ensinado, especialmente a acreditar Naquele a quem Deus estabeleceu para ser Propiciação pelo pecado, por que está fazendo de Deus tudo e nós nada.
Descansando sobre uma revelação infalível e confiante em um Redentor Onipotente, temos descanso e paz. Mas, por outro princípio instável, tornamo-nos estrelas errantes, para quem é nomeado o negrume das trevas para sempre. Pela fé, a alma pode viver  - em todas as outras maneiras, temos um nome para viver e estamos mortos.

O mesmo é igualmente verdade da fantasia. Que muitas vezes encontram-se com uma religião extravagante no qual as pessoas confiam aos impulsos, aos sonhos, a ruídos e coisas místicas que eles imaginam terem visto – tudo isso é conversa fiada! E ainda estão bastante envolvidos nisso. Eu oro para que você possa expulsar essas coisas sem valor – não há alimento para o espírito nelas. A vida de minha alma não está no que eu penso, ou no que imagino, ou no que eu fantasio, ou no que faz com que eu me sinta bem, mas apenas no que a fé apreende ser a Palavra de Deus! Vivemos diante de Deus, confiando em uma promessa, dependendo de uma pessoa, aceitando um sacrifício, vestindo uma justiça e cercando-nos com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Implícita confiança em Jesus, nosso Senhor, é o modo de vida e todos os outros levam à morte. É uma estrita declaração – deixem que aqueles que chamam de intolerância, dizerem o que quiserem - será verdade por mais que tentem execrá-lo, tanto quanto agora!

Mas, em segundo lugar, essa é uma afirmação muito ampla. Muito é compreendido no ditado "O justo viverá pela fé”. Não diz que parte de sua vida paira sobre sua crença, ou que fase da sua vida melhor prova sua fé - compreende o início, continuidade, ampliação e aperfeiçoamento da vida espiritual como sendo tudo pela fé. Observe que o texto significa que no momento em que um homem crê, ele começa a viver à vista de Deus. Ele confia em seu Deus, ele aceita de Deus a revelação de si mesmo, ele confia, repousa, se inclina sobre o seu Salvador e naquele momento ele se torna um homem espiritualmente vivo, vivificado com a vida espiritual pelo Espírito Santo de Deus!

Toda a sua existência antes da fé não era nada, a não ser uma forma de morte. Quando ele vem a confiar em Deus, ele entra na vida eterna e tem o nascimento vindo do alto. Sim, mas isso não é tudo, nem é a metade – para isto o homem continua a viver diante de Deus, se ele está tão apegado ao seu modo de santidade – sua perseverança deve ser o resultado de uma fé contínua. A fé que salva não é um único ato feito e acabado em um determinado dia, é um ato contínuo e persevera durante toda a vida do homem! O justo não só começa a viver sua fé, mas ele continua a viver por sua fé! Ele não começa no Espírito e termina na carne, nem vai tão longe pela graça e o resto do caminho pelas obras da lei. "O justo viverá pela fé",
diz o texto de Hebreus, "mas se alguém recuar, a minha alma não tem prazer nele. Mas nós não somos daqueles que recuam para a perdição, mas daqueles que creem para a conservação da alma”.

A fé é essencial ao longo de todo e cada dia, em todas as coisas. Nossa vida natural começa pela respiração e deve ser continuada pela respiração. O que a respiração é para o corpo, a fé para a alma. Irmãos e Irmãs, se quisermos fazer avanços e progressos na vida divina, isto ainda deve ser da mesma maneira! Nossa raiz é a fé e somente através da raiz vem o crescimento. Progresso na graça não vem da sabedoria carnal, ou esforço legal, ou incredulidade. Não, a carne não traz crescimento à vida espiritual e os esforços feitos na incredulidade em vez de fazer a vida interior crescer, a diminuem. Não nos tornamos mais fortes por mortificações, lutos, obras, ou nos esforçando, se estes estiverem separados da simples fé na graça de Deus - pois somente por este canal o alimento pode entrar na vida de nosso espírito. A mesma porta pela qual a vida entrou em primeiro lugar é aquele pelo qual a vida continua a entrar.

Se alguém me diz: "Eu já vivi crendo em Cristo, mas agora eu me tornei espiritual e santificado e, portanto, eu não tenho mais necessidade de olhar como um pecador para o sangue e justiça de Cristo,” eu digo a este homem que ele tem necessidade de aprender os primeiros princípios da fé! Eu o adverti que ele tem de ser atraído de volta à fé, pois aquele que é justificado pela Lei, ou de qualquer outra forma que não a justiça de Cristo, tem caído em desgraça e deixou o único fundamento sobre o qual uma alma pode ser aceita por Deus. Sim, até ao portão do céu não há esteio para nós, a não ser a fé no sempre abençoado Salvador e Sua Expiação Divina! Entre este lugar e o céu nunca seremos capazes de viver por méritos, ou viver fantasias,
ou pelo intelecto - temos ainda que ser como crianças ensinadas por Deus como Israel no deserto, dependendo inteiramente daquele grande Invisível.

Para sempre nosso, é olhar para todas as coisas e para nós mesmos e perceber, pois "o justo viverá pela fé”. É uma frase muito ampla, um círculo que engloba toda a nossa vida que é digna desse nome. Se há alguma virtude, se há algum louvor, se existe alguma coisa que é bela ou de boa reputação, devemos recebê-la, exibi-la e aperfeiçoá-lo pelo exercício da fé. A vida na casa do Pai, a vida na Igreja, a vida em particular, a vida no mundo, devem ser todas realizadas e praticadas no poder da fé, se somos homens justos. O que é sem fé é sem vida! Obras mortas não podem satisfazer o Deus vivo! Sem fé é impossível agradar a Deus (Hebreus 11:6).

Imploro-lhes a sua atenção, em terceiro lugar, que declaração desqualificada é esta. "O justo viverá pela sua fé." Então, se um homem tem, mas um pouco de fé, viverá. E se ele é muito justo, ele ainda vive pela fé. Muitos homens não chegaram mais longe do que correr atrás santidade, mas ele é justificado pela sua fé - sua fé está tremendo e lutando e a sua oração frequente é: "Senhor, eu creio, ajuda minha incredulidade"- ainda assim  a sua fé fez dele um homem justo!  Às vezes ele tem medo de não ter fé!  E quando ele cai em depressão profunda, este é o quanto ele pode fazer para manter sua cabeça acima da água.  Mas, mesmo assim sua fé o justifica. Ele é como um barco em um tempestuoso mar, às vezes ele é levantado ao céu, piscando ondas de misericórdia e outra ele afunda no abismo entre os vagalhões de aflição. O quê? É ele, então, um homem morto? Eu respondo: Este homem crê verdadeiramente em Deus? Ele não aceita o registro sobre o Filho de Deus? Ele pode verdadeiramente dizer: "Creio na remissão dos pecados", e com fé, como ele tem, ele só se apega a Cristo e a ninguém mais? Então o homem deve viver! Ele viverá pela sua fé!

Se a pequenez da nossa fé pode nos destruir, então quão poucos poderão ser numerados com os vivos? "Quando o Filho do homem vier, porventura achará fé na terra?” Só aqui e ali e agora e depois, um Lutero parece que realmente acredita com todo seu coração. A maioria de nós é tão grande quanto o dedinho de Lutero - não temos tanta fé em nossa alma inteira como ele tinha a em um cabelo da sua cabeça! Mas ainda assim esta pequena fé nos deixa vivos. Eu não digo que pouca fé nos dará força, ou vigor de um leão como que Lutero tinha, mas viveremos. A declaração não faz distinção entre este e aquele grau de fé, mas ainda estabelece, como uma verdade inquestionável de Deus, "o justo viverá pela fé". Louvado seja Deus, então, eu viverei, pois acredito no Senhor Jesus como meu Salvador e meu Tudo! Você também não acredita nele? Sim, e não é singular que essa declaração não deve mencionar qualquer outra graça, como aquela que vai ajudar a construir o terreno em que os homens justos vivem?

"O justo viverá pela fé." Mas ele não tem amor? Ele não tem zelo? Ele não tem paciência? Ele não tem esperança? Ele não tem humildade? Ele não tem santidade? Oh, sim, ele tem tudo isso e vive nelas, mas ele não vive por elas, porque nada disto o liga tão intimamente a Cristo, como a sua fé faz! Atrevo-me a usar uma figura muito familiar porque é o melhor que posso pensar. Aqui está uma criança pequena, um bebê. Ele tem muitos membros necessários, tais como seus olhos, ouvidos, pernas, braços, coração e assim por diante. E todas são necessárias, mas o órgão pelo qual o bebê vive é a sua boca, pelo que ele suga de sua mãe todo o seu alimento. Nossa fé é a boca pela qual sugamos a vida nova a partir da promessa do Deus sempre abençoada. Assim, a fé é o que vivemos! Outras graças são necessárias, mas a fé é a vida de todas elas. Nós não subestimamos o amor, ou paciência, ou penitência, humildade ou depreciamos ou olhos ou pés do bebê. Ainda assim, o meio de vida do homem espiritual é a boca pela qual ele recebe alimento divino das verdades de Deus reveladas pelo Espírito Santo na Sagrada Escritura. Outras graças produzem resultados provindos da fé, mas a fé é o Receptor-Geral de graça para a ilha que é o homem.

Isto, caros amigos, para continuar um pouco mais adiante, é uma declaração muito sugestiva - "O justo viverá pela fé" - porque nisto há muitos significados. Primeiro, o homem justo existe mesmo pela sua fé. Isto é, a forma mais baixa de Graça em um caráter justo é dependente da fé. Mas, irmãos e irmãs, eu espero que você não seja tão tolo para dizer "Se eu sou apenas uma criança viva de Deus, isto é tudo que eu preciso". Não, nós não desejamos somente ter a vida, mas tê-la em abundância! Vê aquele homem salvo de um afogamento? Ele está vivo, mas se a única evidência disto é o fato de que um espelho fica orvalhado por sua respiração, você não estaria contente de estar vivo há anos nestes moldes pobres, iria? Você deve ser muito grato se você está espiritualmente vivo, mesmo dessa forma débil, mas ainda assim, não queremos ficar em um estado de desmaio. Nós queremos ser ativos e vigorosos!

No entanto, até mesmo para a menor vida você deve ter fé. Para o mais fraco tipo de existência espiritual que pode ser chamado de vida no todo, a fé é necessária. O justo que praticamente sobrevive, que é fraco na mente, que dificilmente se salva, é, no entanto, entregue pela fé. Sem fé não há vida celestial. Tomemos a palavra "vida", em um sentido melhor, e o mesmo se aplica "O justo viverá pela sua fé". Às vezes encontro com pessoas muito pobres que nos dizem em tom patético: "Nosso salários são terrivelmente escassos". Dizemos a eles: "Você realmente vive com tão pequena quantia?". Eles respondem: "Bem, senhor, você pode dificilmente chamar de vida, mas nós existimos de alguma forma". Nenhum de nós gostaria de viver em um estilo de vida tal se pudéssemos mudá-lo. Queremos dizer, então, por "vida", alguma medida de alegria, felicidade e satisfação. O justo, quando tem o conforto, alegria e paz os têm pela fé. Graças a Deus, a paz do coração é o nosso estado normal, porque a fé é uma graça permanente. Cantamos com alegria de coração e nos regozijamos no Senhor e, bendizemos o Senhor, isso não é novidade para nós! Mas nós temos conhecido e ainda conhecemos esta bem-aventurança somente pela fé.

O momento em que a fé chega, a música invade - como se fossem corujas gritando! Lutero pode cantar um Salmo apesar do diabo, mas ele não poderia ter feito se não tivesse sido um homem de fé. Ele poderia desafiar imperadores, reis, papas e bispos, enquanto ele segurou firme na força de Deus, mas só depois de tê-la segurado! A fé é a vida da vida e faz a vida valer a pena ser vivida. Ela coloca alegria na alma em acreditar no Pai e o Seu grande amor eterno; na Expiação eficaz do Filho e na habitação do Espírito, em ressurreição e glória eterna! Sem as quais, de todos os homens, nós somos os mais miseráveis. Acreditar nestas verdades gloriosas é viver - "O justo viverá pela fé". Vida também significa força. Dizemos de certo homem: "Que vida que ele tem em si! Ele é cheio de vida! Ele parece estar sempre vivo". Sim, o justo obtém energia, força, vivacidade, vigor, poder pode, e a vida pela fé.

A fé confere aos crentes uma majestade real. Quanto mais eles acreditam, mais poderosos se tornam. Esta é a cabeça que usa uma coroa! Esta é a mão que empunha um cetro! Este é o pé, cujo pisar real faz tremer as nações! Fé em Deus nos liga com o Rei, o Senhor Deus Onipotente! Pela fé o justo vive em quando os outros morrem. Eles não são superados
pelo pecado prevalente, ou heresia da moda, ou a perseguição cruel, ou feroz aflição nada pode matar a vida espiritual enquanto a fé permanece "O justo viverá pela fé". Continuidade e perseverança vêm dessa forma. O homem justo, quando ele volta atrás, não é confundido. E quando ele é ferido pelos inimigos, ele não está morto. Onde outro homem é afogado, ele nada. Onde outro homem é pisado, ele se levanta e grita vitoriosamente "Não se Alegre sobre mim, O meu inimigo! Se eu cair, mas hei de subir novamente!".

Na fornalha ardente da aflição ele caminha ileso por meio da fé. Sim, e quando chega a sua vez de morrer e, com muitas lágrimas, seus irmãos e irmãs carregam suas cinzas ao túmulo: "Ele, estando morto, ainda fala". O sangue dos justos Abel gritou do chão para o Senhor e ele ainda está chorando ao longo dos séculos, mesmo nesta hora. Voz de Lutero, através de
400 anos, ainda soa nos ouvidos dos homens e estimula nossos pulsos, como a batida do tambor na música marcial, ele vive! Ele vive, porque ele era um homem de fé. Gostaria de resumir e ilustrar este ensino ao mencionar certos incidentes da vida de Lutero. Após o grande reformador, o Evangelho de Luz adentrou por lentos degraus. Foi no mosteiro que, em se virar para a Bíblia que esteve acorrentada a um pilar que esta passagem veio a ele - "Esta passagem celeste ficara grudada a ele, mas ele não havia compreendido todos os seus aspectos".

Ele não podia, no entanto, encontrar a paz em sua profissão religiosa e hábito monástico. Mesmo sem entender, ele perseverou em penitências e mortificações, muitas tão árduas, que às vezes ele foi encontrado desmaiado por exaustão. Elas o trouxeram às portas da morte.  Ele deveria fazer uma viagem a Roma[1], pois em Roma havia uma igreja nova para todos os dias e você podia estar certo de ganhar o perdão dos pecados e toda sorte de bênçãos nestes santuários sagrados. Ele sonhava em entrar em uma cidade de santidade, mas ele viu que era um refúgio de hipócritas e um covil de iniquidade! Para seu horror, ele ouviu os homens dizerem que se houvesse um inferno, Roma fora construída em cima dele, pois era a abordagem mais próxima a ele que poderia encontrar neste mundo! Mas ele ainda acreditava em seu papa e ele continuou com suas penitências, buscando repouso, mas não o encontrando.

Um dia ele foi subindo de joelhos a Scala Sancta, que hoje ainda está em Roma. Eu fiquei espantado de, no fim desta escada, ver pobres criaturas irem para cima e para baixo em seus joelhos na crença de que é aquela a escada que o nosso Senhor desceu quando Ele deixou a casa de Pilatos![2] Diz-se que alguns degraus são marcados com gotas de sangue a essas pobres almas - eu quase disse tolas - as mais devotas as beijam. Bem, Lutero foi subindo estes degraus um dia, quando esse mesmo texto que ele havia encontrado antes, no mosteiro, soou como um trovão em seus ouvidos: "O justo viverá pela sua fé." Ele levantou-se da prostração e desceu os degraus para nunca mais rastejar sobre eles novamente. Naquele tempo o Senhor trabalhou nele uma libertação completa da superstição e ele viu que não por padres, nem sacerdócio, nem penitências, nem por qualquer coisa que ele podia fazer era para ele viver, mas que ele deve viver pela sua fé.

Nosso texto de hoje de manhã pôs o monge em liberdade e colocou a sua alma em chamas! Mal ele começou a acreditar nisso ele começou a viver no sentido de ser ativo. Neste momento um cavalheiro chamado Tetzel, estava marchando sobre toda a Alemanha vendendo o perdão dos pecados pelo dinheiro que pudesse ser pago. Não importa o seu crime, assim que o seu dinheiro tocar o fundo do caixa seus pecados irão embora! Lutero ouviu isso, ficou indignado e exclamou: "Vou fazer um buraco em seu tambor", que com certeza ele fez em vários outros tambores! A apregoação de suas teses na porta da igreja era de certa forma silenciar a música da indulgência! Lutero proclamou perdão do pecado pela fé em Cristo sem dinheiro e sem preço e as indulgências do papa foram logo objetos de escárnio.

Lutero viveu pela sua fé e, portanto, aquele que de outra forma poderia ter vivido tranquilamente, denunciou o erro furiosamente como um leão ruge em cima de sua presa. A fé que havia nele o encheu de vida intensa e ele mergulhou em uma guerra com o inimigo. Depois de alguns anos, ele foi convocado para ir para Augsburg[3], apesar de seus amigos o aconselharam a não ir. Lá o chamaram de herege, para responder por si mesmo na Dieta de Worms[4]. E todo mundo ordenou-lhe que ficasse longe, pois ele com certeza seria queimado, mas ele sentiu que era necessário testemunhar e, portanto, em um vagão, ele passou de vila em vila e cidade em cidade, pregando conforme seguia! As pessoas pobres saiam para agitar as mãos para o homem que estava de pé para Cristo e para o Evangelho com o risco de sua vida. Você se lembra de como ele se colocou diante daquela augusta assembleia e embora ele soubesse, tanto quanto o poder humano foi, que sua defesa lhe custaria a vida, para ela, provavelmente, ser comprometida com as chamas, como John Huss[5], mas ele se portou como homem para o Senhor, seu Deus?

Naquele dia na Dieta do Sacro Império Romano-Germânico, Lutero fez um trabalho para que dez mil vezes as mães de milhares de crianças tenham bendito seu nome e abençoado, ainda mais, o nome do Senhor seu Deus! Para colocá-lo fora de perigo por um tempo, um amigo prudente a mando do eleitor da Saxônia, Frederico II, o sábio, o levou prisioneiro e o manteve fora da contenda, no castelo de Wartburg[6]. Lá ele teve bons dias, descansando, estudando, traduzindo, fazendo música e se preparando para o futuro, que seria muito agitado. Ele fez tudo que um homem pode fazer para estar fora da briga, mas, "o justo viverá pela sua fé", e Lutero não poderia ser enterrado vivo – ele precisa atingir o trabalho de sua vida! Ele manda dizer aos seus amigos que estava vindo e logo estaria com eles, e de repente ele apareceu em Wittenberg. O príncipe pretendia tê-lo mantido no exílio um pouco mais de tempo, mas Lutero deve viver e quanto Eleitor temia por não poder protegê-lo, Lutero escreveu a ele, "Eu venho com muito maior proteção do que o sua, não, eu mantenho que eu sou mais provável para proteger sua graça do que Vossa excelência me proteger! Ele que tem a fé mais forte é o melhor protetor”.

Lutero aprendeu a ser independente de todos os homens, pois ele lançou-se sobre o seu Deus! Ele tinha todo o mundo contra ele e ainda viveu alegremente. Se o Papa excomungou, ele queimou a bula de excomunhão! Se o Imperador o ameaçou, ele alegrou-se porque se lembrou das palavras do Senhor: "Os reis da terra se levantam, e os príncipes dos países juntos. Aquele que está sentado nos céus se rirá" (Salmo 2). Quando eles disseram-lhe: "Onde você vai encontrar abrigo se o Eleitor não protegê-lo?". Ele respondeu: "Sob o escudo amplo de Deus". Lutero não podia ficar parado. Ele tinha que escrever e falar! E oh, com que confiança ele falou! Dúvidas sobre Deus e as Escrituras ele abominava! Melancthon[7] diz que ele não era dogmático. Prefiro diferenciar de Melanchton, e acho Lutero era o chefe dos dogmáticos! Ele chamou Melancthon chamado "aquele que pisa docemente", e eu me pergunto o que teríamos feito se Lutero tivesse sido como Melancthon também?

Os tempos precisavam de um líder firme com a certeza e fé que fizeram de Lutero o que ele é durante todos esses anos, apesar de suas muitas dores e enfermidades. Ele era um Titã, um gigante, um homem de calibre mental e físico esplendidamente forte, mas a sua vida e força principal estava em sua fé. Ele sofreu muito com os exercícios da mente e do corpo através de doenças. E estas poderiam muito bem ter ocasionado uma exibição de fraqueza, mas a fraqueza não aparece, pois quando ele acreditava, ele estava tão certo do que ele acreditava como se disso dependesse sua própria existência e, portanto, ele era forte. Se todos os anjos do céu tivessem passado por ele e cada um tivesse assegurado a Verdade de Deus, ele não teria agradecido por seu testemunho, pois ele creu em Deus, sem o testemunho de anjos ou homens! Ele pensou que a Palavra de testemunho divino é mais certa do que qualquer coisa que os serafins poderiam dizer! Este homem foi forçado a viver por sua fé, pois ele era um homem de alma tempestuosa e somente a fé poderia falar de paz a ele.

As agitações trouxeram sobre ele, depois de tudo, depressões de espírito e, em seguida, ele precisava de fé em Deus. Se você ler a vida espiritual dele, você vai achar que foi um trabalho árduo, às vezes, para ele manter sua alma em vida. Sendo um homem de paixões como nós, e cheio de imperfeições[8], ele era, às vezes, como os mais desalentados e desesperados e fracos entre nós. Tamanha dor dentro dele ameaçou explodir o seu coração poderoso. Tanto ele quanto João Calvino frequentemente suspiraram pelo descanso do Céu, porque não amou a contenda em que habitava, mas teria sido feliz em pacificamente alimentar o rebanho de Deus na terra e depois de entrar em descanso. Estes homens habitaram com Deus na santa ousadia de viver em oração, ou então não poderiam ter vivido tudo o que viveram. A fé de Lutero se prendeu à cruz de nosso Senhor e não seria movida dele. Ele acreditava no perdão dos pecados e não podia se dar ao luxo de duvidar.

Ele lançou âncora na Sagrada Escritura e rejeitou todas as invenções de clérigos e de todas as tradições dos pais. Ele assegurou a Verdade do Evangelho e nunca duvidou, mas o que iria prevalecer apesar da Terra e do Inferno foi jogado contra ele. Quando ele veio para morrer, seu velho inimigo atacou ferozmente, mas quando lhe perguntei se ele tinha a mesma fé, dele, "Sim", foi positivo o suficiente! Eles não precisavam ter perguntado isso para ele, eles deveriam ter certeza disso. E agora, hoje, as verdades de Deus proclamadas por Lutero continuam a ser pregadas e serão até o nosso Senhor, Ele mesmo, vir! Então a Cidade Santa não precisará de vela ou da luz do sol, porque o Senhor, Ele mesmo, será a Luz de Suas pessoas! (Apocalipse 22) Mas até lá temos de brilhar com a luz do Evangelho para o nosso melhor. Irmãos e irmãs, vamos nos posicionar a Ele que, como Lutero, vivia pela fé, mesmo assim vamos e que Deus o Espírito Santo opere em nós mais do que fé. Amém e Amém!

FONTE
Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público e com permissão

Sermão nº 1749—Volume 29 do The Metropolitan Tabernacle Pulpit,
Original em inglês: A Luther Sermon at the Tabernacle

Tradução: Kamilla Araujo
Revisão: Helio Sales
Capa: Beatriz Rustiguel
27 de Outubro de 2011

Projeto Spurgeon - Proclamando a CRISTO crucificado.
Projeto de tradução de sermões, devocionais e livros do pregador batista reformado Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) para glória de Deus em Cristo Jesus, pelo poder do Espírito Santo, para edificação da Igreja e salvação e conversão de incrédulos de seus pecados.

@ProjetoSpurgeon



NOTAS
[1] Uma viagem que Lutero precisou fazer em nome de seu monastério para resolver uma questão eclesiástica
[2] Spurgeon visitou Roma em 1864; em uma viagem de férias, quando ainda eram Estados Pontifícios, antes da Unificação da Itália. A Scala Santa é ainda no Vaticano centro de peregrinação e de turismo, em grande parte por conta realmente da superstição relatada por Spurgeon (N. Do revisor)
[3] Lutero foi convidado a ir a Roma para explicar-se de suas teses: recusou-se a fazê-lo, alegando razões de saúde; e pretendeu uma audiência em território alemão. O seu pedido baseava-se no argumento (Gravamina) da Nação Alemã. Seu pedido foi aceito, ele foi convidado para uma audiência com o cardeal Caetano de Vio (Tomás Caetano), durante a reunião das cortes (Reichstag) imperiais de Augsburg. Entre 12 e 14 de outubro de 1518, Lutero falou a Caetano. Este pediu-lhe que revogasse sua doutrina. Lutero recusou-se a fazê-lo. (Wikipédia)
[4] A Dieta de Worms (foi uma reunião de cúpula oficial, governamental e religiosa, chefiada pelo imperador Carlos V que teve lugar na cidade de Worms (Alemanha), entre os dias 28 de Janeiro e 25 de Maio de 1521, mais conhecida pelas decisões que dizem respeito a Martinho Lutero e os efeitos subsequentes na Reforma Protestante. Lutero foi convocado à Dieta para desmentir suas 95 teses, no entanto ele as defendeu e pediu a reforma da Igreja Católica, entre 16 e 18 de Abril de 1521., o qual ele não fez, sendo assim declarado herege e fugitivo (Fonte: Wikipédia)
[5] Jan Hus (Husinec, 1369 - Constança, 6 de Julho de 1415) foi um pensador e reformador religioso. Ele iniciou um movimento religioso baseado nas ideias de John Wycliffe. Os seus seguidores ficaram conhecidos como os hussitas. A Igreja Católica não perdoou tais rebeliões e ele foi excomungado em 1410. Condenado pelo Concílio de Constança, foi queimado vivo. (Wikipédia)
[6] Frederico, o sábio ordenou que Lutero fosse capturado por um grupo de homens mascarados a cavalo, que o levaram para o Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde ele permaneceu por cerca de um ano. Deixou crescer a barba e tomou as vestes de um cavaleiro, assumindo o pseudônimo de Jörg. Durante esse período de retiro forçado, Lutero trabalhou na sua célebre tradução da Bíblia para o alemão. (Wikipédia)
[7] Philipp Melanchthon (em português Filipe Melâncton; Bretten, 16 de fevereiro de 1497 — Wittenberg, 29 de abril de 1560) foi um reformador alemão. Colaborador de Lutero, redigiu a Confissão de Augsburgo (1530) e converteu-se no principal líder do luteranismo após a morte do próprio Lutero. (Wikipédia)
[8] Certamente, Lutero não foi perfeito, e é repudiável os escritos de Lutero que recomendavam a matança dos camponeses rebeldes de 1524 e seus escritos contra os judeus que hoje podem ser considerados anti-semitas: Lutero de certa forma foi usado por Deus grandemente, como Spurgeon bem diz, para trazer a Igreja de volta a Suficiência da Bíblia e do Sacrifício de Cristo, mas nossa fé está apoiada em Cristo, não em Lutero  (Nota do editor do Projeto Spurgeon)

domingo, 23 de outubro de 2011

A Dádiva de Deus (sermão inédito de Martinho Lutero)


(um sermão sobre João 3:16)
Sermão pregado
Por Martinho Lutero
Em 25 de maio de 1534
Para a Segunda-Feira do Pentecostes

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16)

A boa nova para um mundo pecador.

Esse é, sem dúvida, um dos mais sublimes trechos evangélicos do Novo Testamento. Se fosse possível, teríamos que a gravá-lo em nossos corações com letras douradas, e todo cristão teria que se familiarizar com essas palavras e recitá-las em sua mente pelo menos uma vez ao dia, para conhecê-las bem de memória. Ali se escutam palavras que se forem cridas robustamente, conferem ao triste alegria, e ao morto, vida. Não podemos compreendê-las todas, não obstante, queremos confessá-las com a boca e rogar que o Espírito as transfigure em nosso coração e as faça tão luminosas e ardentes que penetrem até o mais profundo de nosso ser. É verdadeiramente um Evangelho de grande riqueza, repleto de consolo. “Deus amou ao mundo”, e o amou de tal maneira “que deu a seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” O que isso significa, o ilustrarei com um quadro em que veremos por um lado ao doador, e por outro, o receptor, e alem disso, o presente, o fruto e o proveito do presente, e tudo isso em  uma dimensão indizivelmente grande.

I. Deus, o Criador mesmo, é o que dá ao mundo o grande dom. O maior de todos é o doador. O texto não diz “O Imperador deu”, mas sim “Deus deu”: Deus, o Insondável, o Criador de tudo quanto existe. Mais o que isso quer dizer? As palavras humanas são demasiadamente pobres para explicá-lo em seu pleno alcance. Todas as coisas criadas são diante Dele como um grão de areia diante dos céus e terra. Com razão se fala Dele como do “que dá boas coisas”. Essa é, pois, a pessoa do doador. Quando escutamos a palavrinha “Deus”, devemos pensar que comparados com Ele, todos os reis e imperadores com seus dons e com suas cortes não são nada mais que um monte de lixo. Tanto deve nosso coração encher-se de gozosa reverência, que até mesmo o mais precioso tesouro dessa terra parecerá diminuto comparado com Deus; tão alta assim deve ser nossa estima para com o Senhor.

II. O meio da entrega voluntariosa de Deus é seu grande amor. Alem disso, Deus dá de uma maneira que, tal como sua divina majestade, vai alem de toda medida. O que Ele nos dá, não o dá como recompensa de nossa dignidade, ou de ignorância de nossa indignidade, mas sim de puro amor; Ele “amou ao mundo”. Deus, como doador, realmente assim o É de todo coração, e é impulsionado por Seu amor divino, que não está condicionado por nenhum mérito da parte dos homens. Não existe nem em Deus nem nos homens uma virtude mais excelsa do que o amor. Pois por aquilo que se ama, se empenha tudo, corpo e vida. Certamente, a paciência, a castidade, a justiça, também são virtudes muito apreciáveis – no entanto, parecem pouca coisa comparadas com a virtude do amor, que é a suma de todas as demais. O que possui a virtude da justiça, dá a cada um o prêmio e a recompensa que por seus méritos lhes corresponde. Mas à aquele quem amo, a esse me entrego totalmente: para tudo o que se necessite, me acharei disposto. Assim, quando o Senhor nosso Deus nos dá algo, o dá não somente por causa de sua paciência, não somente por ser o administrador da justiça, mas sim por razão dessa virtude suprema que é o amor. Isso deve despertar nos corações humanos uma nova vida, tirar do meio deles toda tristeza, e atrair todos os olhares até o amor abismal que habita no coração de Deus - Ele, o doador máximo, doa impulsionado pela mais elevada virtude, e essa virtude confere à dádiva seu caráter tão precioso como dom que provem do amor. Quando nesse dom intervém o coração, se pode dizer “quanto aprecio esse presente, porque vejo que é de coração!” Não é tanto o presente em si que tomamos em conta, mas sim o afeto com que foi feito, o “coração”: isso é o que dá seu verdadeiro valor. Se Deus me houvesse dado um só olho, um só pé, uma mão apenas, e se eu soubesse que isso Ele o fez por amor divino e paternal, eu deveria dizer: “esse olho me é mais precioso do que mil olhos.” Assim mesmo, se toma consciência de que Deus lhe obsequiou o batismo, você deve sentir-se todos os dias como se já estivesse no reino dos céus – pois não é tanto o grande prestígio do batismo o que nos comove, mas sim o grande amor que Deus nos demonstra com ele.

III. A dádiva de Deus é seu próprio Filho, e com Ele nos dá tudo. Grande é, portanto, o coração, grande o doador, e é inefávelmente grande, em terceiro lugar, a dádiva. O que Deus nos dá? “seu Filho”! Isso sim que se chama dar! Não uma moeda, ou um olho, ou um cavalo, ou uma vaca, ou um reino, tampouco o céu com o sol e todos os astros juntos, nem a criação inteira, mas sim “o seu Filho”, que é tão grande como o Pai mesmo! Saber isso há de ascender em nós uma luz no coração, mas ainda, um fogo, ao extremo de nos fazer saltar de alegria sem cessar, pois assim como é infinito e inefável o doador e seu propósito, assim também o é a dádiva. Ao dar-nos a seu Filho, o que Ele reteve de nós? Junto com seu Filho, ele mesmo se entrega a nós, como o expressa Paulo em Romanos 8:32: “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?” Conforme essas palavras, tem que estar incluso tudo, nomeie como se queira, Diabo, morte, vida, inferno, céu, pecado, justiça ou injustiça, tudo tem que ser nosso, posto que nos foi dado o Filho, em quem subsiste todas as coisas. Em consequência: se cremos neste Filho e lhe aceitamos como dádiva de Deus, todas as criaturas, boas ou más, vivas ou mortas, tem que estar a nosso serviço. Nesse sentido Paulo diz em 1º Coríntio 3:21-23 “tudo é vosso; Seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso, E vós de Cristo, e Cristo de Deus.” Em Cristo está compreendido tudo. Verdadeiramente: que dádiva é essa! Se pensar bem, você não poderá menos que dizer: “que é o ouro ou a prata, a glória e todas as demais coisas que apetecem ao homem, em comparação com esse tesouro?” Porem, ai está a maldita incredulidade (da que Cristo se queixa depois) e essa terrível cegueira que faz com que se mau temos ouvimos essas coisas, não as creiamos, e permitimos que palavras tão sublimes e consoladoras entrem por um ouvido e saiam pelo outro. Como as pessoas se apressam quando se lhes apresenta uma boa oportunidade de comprar um palácio ou uma casa, como se nossa vida dependesse por inteiro de tais bens materiais! Porem, aqui onde nos é pregado com palavras tão formosas que Deus nos há dado a Seu Filho, manifestamos indolência que não tem comparação. Quem é que faz com que essa dádiva tão grande seja tão pouco estimada, que não se a gravemos no coração, e que não sejam dadas a Deus as graças por ela? É o maligno, o diabo, que tomou posse de nosso coração e que faz com que sejamos duros e frios. Por isso eu disse que cada manhã teríamos que levantar da cama com essas palavras e agradecer a Deus por elas. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito” aqui temos as três partes, o que dá, Seu amor e Sua dádiva, a saber, Jesus Cristo. Com isso está dado tudo.

IV. A única condição junto à dádiva é que a aceitemos. Porem existe algo mais que devemos tomar em conta: Deus conceitua sua dádiva não como um pagamento ou uma recompensa a que tenhamos um direito, mas sim realmente como um dom. Não nos foi emprestada, nem há que pagá-la, tampouco se fala de um esquema. O único que há que se fazer é estender a mão. Oh Senhor, tem piedade de nós que somos tão duos para crer-lhe! Deus quer dar-lhe seu dom não só para tocá-lo timidamente, mas sim o quer dar a você de verdade, não como prêmio, mas sim como propriedade sua. Você não tem mais que o fazer que não seja aceitá-lo. Porem, adivinhe: como se chama as pessoas dos quais se diz: “ a ninguém se lhe regala nada contra sua vontade?” Suponhamos que um príncipe gênero fizesse para um pobre que não tem onde cair morto a oferta de presentear-lhe um palácio, e que lhe reportaria um benefício anual de 1.000 florins, e esse pobre lhe contestasse: “Não o quero”. Seguramente todo mundo bradaria: “Jamais se viu um idiota como esse! Que animal!” Sim, assim diria o mundo. Mas aqui não lhe dá só um palácio; aqui Deus dá a Seu Filho, gratuitamente; porque Ele mesmo nos convida: “estenda sua mão, tomá-lo!” Nosso papel é, segundo a vontade de Deus, o de recebedores, nada mais. E isso não o queremos! Agora, calcule que pecado mais grave é a incredulidade! Resistir ao Senhor que quer nos dar a seu Filho, isso já não é coisa de seres humanos! Porem, nessa incapacidade de alegrar-se pelo dom de Deus podeis ver que o mundo inteiro perdeu o juízo e está possuído pelo demônio. Não querem se conformar em serem simples recebedores. Ah, se fora um florim o que nos fosse oferecido, isso sim despertaria a alegria geral, porem o Filho de Deus, esse não! Tão completamente se acha o mundo em poder do diabo! Essa é a quarta parte: o que Deus nos oferece, deve-se considerar pronta e plenamente uma dádiva: não é requerido que a consigamos mediante certos serviços, nem que a paguemos.

V. O destinatário e receptor da dádiva de Deus é o mundo pecador. Em nosso quadro também figura o recebedor: o mundo. Recebedor abominável, parece-me, indizivelmente abominável. Com que o há merecido? Por acaso o mundo não é a noiva de Satanás, o inimigo de Deus e seu maior blasfemador? O maior inimigo de nosso Deus é o diabo – porem o segundo somos nós, que sem Cristo somos filhos do diabo. Pois bem: assim como têm tomado consciência do que é Deus, e o Filho de Deus, e de como esse Filho é a dádiva de Deus, grave agora também em seu coração a imagem fiel do que é o mundo. O mundo não é outra coisa que uma massa de homens que não crêem em Deus, que o consideram por mentiroso, que blasfemam de Seu santo Nome, que desprezam Sua palavra, que desobedecem a pai e mãe, que cometem adultério, que caluniam, furtam e praticam toda sorte de outras maldades. Salta a vista que no mundo impera a infidelidade, a blasfêmia e todo quanto vício que se possa catalogar. E a essa amada noiva e filha, que é inimiga de Deus, que Ele dá seu Filho.

Eis aqui outro fator que dá realce à dádiva: que nosso Deus e Senhor não se afasta enojado desse mundo ruim, mas sim que traga de um só gole todas as iniqüidades dos homens: as blasfêmias que proferem contra Seu nome, e a transgressão de todos Seus mandamentos. Apesar de toda grandeza como presenteador, Deus realmente deveria sentir uma profunda repugnância ante ao mundo e sua maldade, já que os pecados do mundo não têm não soma. E, no entanto, Deus vence a maldade e apaga os pecados contra a primeira e a segunda tabua da Lei e já não quer saber mais nada deles. Não deveria de ter amor e confiança para com Aquele que quita os pecados e ama ao mundo com todas suas transgressões? E que inumeráveis elas são! Não há homem que possa contar seus próprios pecados – quem poderia contar os do mundo todo? E, não obstante, o Evangelho nos diz que Deus há dado a Seu Filho “ao mundo”. Não pode então caber a menor dúvida: se Deus ama ao mundo que blasfema Dele, a remissão dos pecados tem que ser uma realidade incontrovertível. Se Deus pode dar ao mundo, que é seu inimigo, um presente tão grande, ou melhor ainda, se Ele mesmo se entrega ao mundo, como Ele pode odiar ao mundo? Que coração não deveria encher-se de regozijo diante do fato de que Deus mesmo intervêm na miséria humana, e dá Seu amado Filho aos homens malfeitores? Que malfeitor fui, por exemplo, eu mesmo, que durante anos li a missa e crucifiquei a Cristo, e pratiquei todas as idolatrias próprias da vida monástica! E apesar de ter-lhe ofendido tanto, me conduziu ao conhecimento de Seu Filho e de si mesmo – tal é Seu amor para comigo, sua criatura pecaminosa, que não recordará de todo o mal que lhe fiz. Oh Senhor Deus, que homem deve ser aquele que, em vista de tudo isso ainda persiste em sua ingratidão! Gozo, indizível gozo deveria nos encher e gostosamente deveríamos não só servir-Lhe, mas sim também sofrê-lo tudo, e rirmos quando tivéssemos que morrer por causa Dele, nosso amoroso Pai que nos há dado um tesouro tal como esse. Não deveria eu de sofrer prazerosamente até mesmo a morte na fogueira como fiel testemunha de meu Senhor, se essa fé me anima? Se isso não acontece, se esse gozo não se produz, agradeçamos isso à nossa incredulidade que nos freia. Assim, pois, temos visto o enorme que é tudo isso: o doador, Seu amor, Seu dom, o recebê-lo, e também a pessoa que o recebe.

VI. A finalidade da dádiva de Deus é a salvação da morte e a vida eterna. Segue agora o propósito último do doador divino. Qual é sua intenção ao nos dar sua dádiva? Não me a dá para que eu coma ou beba dela, mas sim para que tenha dela o maior dos proveitos. Não a quer dar como um simples dote, assim como tampouco nos dá o batismo e a santa ceia como partes de um dote. Antes, a finalidade é que “todo aquele que Nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna.” Não se trata de que Ele me dê um reino ou o mundo inteiro – o que quer dar-me é que eu esteja livre do Inferno e da morte, livre do perigo de perder-me para sempre. Essa é a missão que o Filho deve cumprir: o diabo ter que ser devorado, o inferno extinguido, e eu tirado da interminável miséria. Tal há de ser o efeito da dádiva – deve trancar à chave às portas do Inferno. E converter um coração débil em um coração forte e confiante – e não só isso, mas que também deve criar vida, e vida perdurável. Isso sim que se chama uma dádiva! Quem queira que seu coração transborde de alegria, aqui achará motivo mais que suficiente para isso – pois nessas palavras do Evangelho nos é prometido uma vida eterna onde já não se verá a morte, onde haverá plenitude de gozo e onde experimentemos a mais ampla certeza de ter um Deus cheio de misericórdia e graça. Por essa razão, o que aqui nos é dito são palavras em cujas profundidades ninguém logra penetrar completamente. Dia a dia se deve as pronunciar em oração e com o rogo de que o Espírito Santo as inscreva no coração com letras indeléveis. E esse mesmo Espírito faça então de nós um bom teólogo, um que saiba falar de Cristo, discernir toda a doutrina e sofrer com paciência tudo o que Deus lhe imponha. Porem, se deixamos passar ao longe essas palavras com um bocejo, tampouco poderão ter efeito duradouro, e o coração fica tal como estava antes. Esse estado de coisas sempre de novo dá lugar a tristes reflexões – mas aqueles que contudo que tão despreocupadamente deixaram que essas palavras se perderam ao vento, o lamentarão no inferno.

VII. A fé é a mão que se apropria da dádiva da vida eterna.  Qual é agora a maneira como posso apropriar-me dessa dádiva? Qual a bolsa, a arca em que se pode depositar esse tesouro? É a fé, a saber, a fé com que se crê – essa faz que abramos as mãos e a bolsa. Pois assim como Deus é o doador por meio do amor, nós somos os receptadores por meio da fé. Vocês não precisam a merecer mediante uma vida monástica. Suas próprias obras nada têm que ver nesse assunto. O único que deve lhes importar é que o deixem Ele dar – em outras palavras: que mantenhas a boca aberta. Eu não tenho que fazer nada, simplesmente ficar quieto, e esperar que me coloquem a comida na boca, por assim dizer. Dessa maneira o dom é dado por amor e recebido por fé. Se você crê isso: “De tal maneira amou Deus ao mundo, que há dado a seu Filho unigênito, para que todo aquele que Nele crê não se perda, mas tenha a vida eterna”, então com toda certeza é salvo e bem-aventurado – porque o dom é demasiadamente grande como para duvidar-se da capacidade de tragar a morte. Como o jogar uma gotinha d’água nas chamas de um forno, assim é o pecado de todo o mundo comparado com essa dádiva. Nem bem o pecado entre em contato com Cristo, já fica também extinguido, como se extingue uma chispa de fogo quando essa cai no mar. Mas isso só acontece quando alguém se apropria desse tesouro mediante a fé e coloca em Cristo toda sua confiança. Isso é o que nos dize o texto: “De tal maneira Deus amou o mundo”. Palavras áureas, palavras de vida! Queira Deus que possamos captá-las! Pois ao que pensa nessas palavras, nenhum diabo lhe pode assustar – tem que ter o coração repleto de alegria e dizer: “Tenho a teu Filho, e como testemunha me tem dado alem disso o Evangelho, quer dizer, Tua própria palavra. Já não há engano possível. O creio, Senhor, e sei que mais não tenho que fazer. Ou, se duvido, concede-me Tua graça para que eu o creia” Assim pois, aprenda cada qual crer com mais e  mais firmeza – porque o crer é indispensável para receber. E dessa maneira o homem chega a ser feliz e alegre, de modo que com gosto fará tudo e padecerá tudo, porque sabe que possui um Deus que lhe é propício.

VIII. Essa dádiva está destinada a cada homem em particular. “Muito bem”, me dirás “isso tudo eu poderia compreender se eu fosse Paulo, Pedro ou Maria. Aquelas pessoas foram pessoas santas; a elas eu creio que lhes foi dado esse dom. Porem, como posso saber que me foi dado a mim também? Eu sou um pecador, não mereço tal coisa.” Por que você não se fixa nas palavras que dizem a quem Deus há dado a seu Filho? Ao mundo! Porem, o mundo não é Pedro e Paulo, mas sim todo quanto tem natureza humana. E bem, você crê que é um ser humano? Tome-se pelo nariz e veja se você não é um homem como qualquer outro! Em que estamos, pois? Não diz o texto que o Filho há sido dado ao mundo? Por conseguinte, todos os que são pessoas humanas, devem apropriar-se do dom que Deus lhes oferece. Pensar eu você e eu ficamos excluídos, é anular toda a dádiva: porque a ti é a quem importa, você é um ser humano e por assim também uma parte do mundo. Deus deu seu Filho não ao diabo, ou aos cães, etc, mas sim aos homens. Por isso não há que colocar em dúvidas a veracidade de Deus dizendo: “Quem sabe se me o deu a mim?” Isso significa fazer de nosso Senhor e Deus um mentiroso.  Faze-te cruzes para que tais pensamentos não te enganem nem se aninhem no seu peito! Diga porem: “O que me importa que eu não seja Pedro nem Paulo! Se Deus houvesse desejado dar sua dádiva aos quais são dignos dela, o haveria dado aos anjos, ou ao sol, ou a lua. Esses teriam sido limpos e puros. Porem, quem era Davi? Um pecador, o mesmo que também os apóstolos.” Por isso, ninguém deve ceder ao argumento de “eu sou pecador, portanto não sou digno do dom de Deus, como o é um Pedro.” Ao contrário, assim é como deves pensar: “Seja eu o que for, de nenhum modo devo fazer de Deus um mentiroso. Eu pertenço ao ‘mundo’ que Ele amou. E se não me apropriasse da dádiva de Deus ao mundo, acrescentaria a todos os demais pecados ainda esse de culpar a Deus de mentiroso.” Você me objetará: “Como posso pretender que Deus está pensando só em mim?” Não, Deus está pensando em todos os homens em geral; por isso mesmo não posso senão ter a plena certeza de que não exclui a nenhum. Porem, se alguém se considera excluído, ele mesmo terá que dar conta disso. Eu não quero julgar-lhe, porem sua própria boca o julgará por não ter-lhe aceitado.

E aqui ponhamos ponto final à exposição dessas palavras. É uma mensagem belíssima de que jamais se acabará de aprender. É o texto básico que nos descreve a Cristo, e que nos diz o que o cristão possui, o que é o mundo, e que é Deus. Invoquemos ao Senhor para que o possamos crer firmemente, tomar-lo como consolo em sofrimentos e morte, e por fim chegar à bem-aventurança eterna. Ele o conceda-nos por Sua graça. Amém.

FONTE

Original em espanhol: El Espíritu Santo Nos Habla De Dios Para El Hombre .
documento digitalizado por ANDRÉS SAN MARTÍN ARRIZAGA
Tradução: Armando Marcos Pinto
23 de outubro de 2011